Cadeia de Responsabilidade e Governança na Qualidade da Informação Contábil

Comentário Técnico: Comissão de Auditoria Contábil do CRCCE
Ronaldo Melo
Presidente da Comissão de Auditoria Contábil do CRCCE

Cadeia de Responsabilidade e Governança na Qualidade da Informação Contábil

Os episódios recentes envolvendo ajustes relevantes em demonstrações contábeis reacenderam um debate essencial sobre a estrutura de governança das organizações e sobre a cadeia de responsabilidade pela qualidade da informação contábil. As repercussões foram imediatas: além da necessidade de reapresentação de números, algumas companhias registraram perda expressiva de valor de mercado, evidenciando como fragilidades internas podem rapidamente se transformar em problemas de credibilidade.

A discussão pública muitas vezes concentra a atenção na auditoria independente, mas é importante lembrar que o auditor não é o primeiro elo desse sistema. A responsabilidade primária pela elaboração das demonstrações contábeis é da administração, que define políticas, supervisiona processos, realiza inventários físicos e assegura que controles internos funcionem de forma eficiente. Esse trabalho é complementado por conselhos, comitês e auditoria interna, que exercem supervisão e acompanham riscos de forma contínua.

Em um dos casos recentes, a própria companhia envolvida admitiu fragilidades significativas no ambiente de controles internos, incluindo a ausência de inventários físicos regulares. Esse tipo de reconhecimento reforça um ponto fundamental: quando processos operacionais deixam de ser aplicados ou supervisionados adequadamente, o risco de distorções contábeis aumenta de maneira relevante, independentemente da presença da auditoria independente.

A auditoria independente atua como uma camada adicional de segurança, com foco detectivo. Sua finalidade é fornecer segurança razoável de que as demonstrações contábeis estão livres de distorções relevantes. O trabalho é baseado em avaliação de riscos, testes amostrais e julgamento técnico, seguindo normas internacionais. Não se trata de uma investigação exaustiva, mas de um exame estruturado com alcance definido pelas normas profissionais.

Nesse contexto, merece destaque a carta de controles internos, documento emitido pela auditoria ao término dos trabalhos e que apresenta deficiências identificadas ao longo da revisão. Quando analisada em detalhe por conselhos e comitês, essa carta se torna ferramenta essencial para o aprimoramento da governança, contribuindo diretamente para a prevenção de falhas futuras.
O Ibracon também se manifestou recentemente, chamando atenção para a necessidade de evitar conclusões precipitadas sobre o trabalho dos auditores sem acesso aos procedimentos realizados ou aos papéis de trabalho. Esse alerta é oportuno e reforça a importância de avaliações técnicas pautadas em evidências.

Embora seja natural que situações de grande impacto gerem questionamentos, concentrar o debate exclusivamente no auditor desloca o foco daquilo que é estrutural. Grandes ajustes contábeis raramente surgem na etapa final da cadeia. Eles são resultado de fragilidades acumuladas ao longo do tempo, em processos que não foram executados, monitorados ou revisados com a profundidade necessária.

Os acontecimentos recentes trazem lições importantes para o ambiente corporativo. A governança precisa ser preventiva e atuante. Inventários físicos e validações operacionais continuam indispensáveis. Controles internos devem acompanhar a complexidade do negócio. Conselhos e comitês precisam exercer supervisão efetiva. A carta de controles internos deve ser tratada como instrumento estratégico, e não como formalidade. A auditoria independente agrega valor ao sistema, mas não substitui controles que falham na origem. A qualidade da informação contábil depende do funcionamento integrado de todos os elos dessa cadeia. Quando cada parte cumpre seu papel, o mercado recebe demonstrações contábeis confiáveis. Quando isso não ocorre, o risco se materializa em forma de ajustes relevantes, perda de credibilidade e impactos no valor de mercado. Fortalecer a governança e os controles internos continua sendo o caminho mais seguro para preservar a confiança de investidores, credores e da sociedade.

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